nas noites vazias encho-me com os trilhos das outras gentes, e o rasto das luzes que deixam é sempre o mesmo circular fechado. as pessoas são sempre as mesmas, independentemente dos caminhos onde se passeiam. e eu continuo a ser igual aqui como lá fora, igualmente aparte como um estigma.
dantes olhava-me no espelho por horas e horas. quando ria, quando chorava, mas acima de tudo quando estava enraivecida. quando eu vinha ao cimo de mim. quando eu eu era.
hoje dancei em frente ao espelho. a minha cara deixou de ser a minha há já semanas, meses. pesam-me sulcos que não existiam. estou sempre cansada. os meus cabelos emaranham-se, perderam o brilho. hoje ri-me em frente ao espelho. abri bem os olhos, virei-me de perfil, olhei por cima e por baixo.
e já não me encontrei. e senti medo, muito medo, durante um instante de arrepio.
dantes, quando eu me fixava no espelho, reencontrava-me, no matter what aquilo que estava antes ou depois de mim. hoje eu olhei para os olhos que estavam no espelho e eram os de uma desconhecida.
passei a vida estanque no mesmo mundo circular. de repente a minha vida passou a expandir-se e a contrair-se em espasmos rápidos a uma velocidade que não controlo. de repende mudou muita coisa. e eu já não sei quem sou eu.
era mais fácil no tempo das obsessões. havia um motivo e um propósito. havia outra razão. agora não há nada além do que não reconheço. agora há um agora e mais nada. mas eu não sei quem é este eu presente.
e às vezes sinto medo. na maior parte delas, estou simplesmente cansada. mais cansada do que quando me esgotava. ou quando me entediava. o cansaço do tédio para lá do tédio. o não saber sequer o que quero saber. parti de mim.
Saturday, June 16
Monday, May 14
Tuesday, May 1
BLUES DA MORTE DE AMOR
já ninguém morre de amor, eu uma vez
andei lá perto, estive mesmo quase,
era um tempo de humores bem sacudidos
depressões sincopadas, bem graves, minha querida.
mas afinal não morri, como se vê, ah, não,
passava o tempo a ouvir deus e música de jazz,
emagreci bastante, mas safei-me à justa, oh yes,
ah, sim, pela noite dentro, minha querida.
a gente sopra e não atina, há um aperto
no coração, uma tensão no clarinete e
tão desgraçado o que senti, mas realmente,
mas realmente eu nunca tive jeito, ah não,
eu nunca tive queda para kamikaze,
é tudo uma questão de swing, de swing minha querida,
saber sair a tempo, saber sair, é claro, mas saber,
e eu não me arrependi, minha querida, ah, não, ah, sim.
há ritmos na rua que vêm de casa em casa,
ao acender das luzes, uma aqui, outra ali.
mas pode ser que o vendaval um qualquer dia venha
no lusco-fusco da canção parar à minha casa,
o que eu nunca pedi, ah, não, manda calar a gente,
minha querida, toda a gente do bairro,
e então murmurarei, a ver fugir a escala
do clarinete: - morrer ou não morrer, darling, ah, sim.
de Vasco Graça Moura
andei lá perto, estive mesmo quase,
era um tempo de humores bem sacudidos
depressões sincopadas, bem graves, minha querida.
mas afinal não morri, como se vê, ah, não,
passava o tempo a ouvir deus e música de jazz,
emagreci bastante, mas safei-me à justa, oh yes,
ah, sim, pela noite dentro, minha querida.
a gente sopra e não atina, há um aperto
no coração, uma tensão no clarinete e
tão desgraçado o que senti, mas realmente,
mas realmente eu nunca tive jeito, ah não,
eu nunca tive queda para kamikaze,
é tudo uma questão de swing, de swing minha querida,
saber sair a tempo, saber sair, é claro, mas saber,
e eu não me arrependi, minha querida, ah, não, ah, sim.
há ritmos na rua que vêm de casa em casa,
ao acender das luzes, uma aqui, outra ali.
mas pode ser que o vendaval um qualquer dia venha
no lusco-fusco da canção parar à minha casa,
o que eu nunca pedi, ah, não, manda calar a gente,
minha querida, toda a gente do bairro,
e então murmurarei, a ver fugir a escala
do clarinete: - morrer ou não morrer, darling, ah, sim.
de Vasco Graça Moura
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